A TELA FINALMENTE ESCURA
a tela finalmente escura, de calí boreaz, pode ser lido como poesia ou como um romance-puzzle. Ou como um livro-instalação, na medida em que dialoga com as artes visuais, segue as pegadas da narradora inscritas na tensão entre o dito e não-dito, frente à iminência do acontecer enquanto gênero. “Este é um livro para se ler com o corpo inteiro”, alerta a professora e crítica literária Cleide Simões, no posfácio. A autora chama-o de “livro de clarões: relâmpagos que se acendem e se apagam, expondo fendas e vislumbres, e o caminho desavindo.”
À medida que os pontos do livro vão se unindo, o trânsito cambaleante entre hemisférios, os rastros de aviões a medir a velocidade do esquecimento, os personagens amantes, amigos e geográficos, com protagonismo de alguns lugares como Copacabana, o México ou a Transilvânia, ou simplesmente uma janela ou uma varanda para o debruçamento – são convites ignescentes para se fixar nos pontos de escuridão, relâmpagos em meio ao caos entre luzes e ilusões.
“Aos olhos são oferecidos, como um anterrosto, imagens da cidade, da poeta, de homens que se ergueram para a cena flagrada e filtrada pelas lentes e discursos macros, em remissões intertextuais ao cinema, à fotografia, às obras de afins e afetos, às literaturas de origem e tardas, laborando, assim, um imenso diálogo de uma só voz escrita com volúpia interrogativa. O ritmo da imagem é ato superior ao entendimento: a poesia e a neblina oceânica, ainda assim, insistem nesse toque erotizado. O roteiro imagético de uma alma poética e estrangeira inaugura sentidos e relevâncias, dando aos comuns e a si própria a coragem de sacar do privado uma paixão pública, tomando-nos pela mão para uma expansão, operando a literatura com novos materiais. calí boreaz oferece-nos desconcertantes imersões na contemporaneidade poética. a tela finalmente escura é um livro com uma visceralidade incomum.”
Cleide Simões, professora de literatura e crítica literária
‘vou pelos vãos das veias com um nome fechado nos pulsos e um silêncio espalhado nos muros. os muros, cheios de letreiros. os pulsos, cheios de sinais de trânsito. o passo que se pede no vazio estrondoso, pois não, eu o dou. mas então, outro. sucessivamente me avisto no espelho do vazio seguinte sem saber se já estou nele ou pra lá caminho ou se o caminhar está do avesso. fractalidade fatal com que me fito, ou finto. no espelho mais distante, porém, uma de mim destoa, despassa. voo pelas vãs vielas com um céu de bolso e um estrondo de amor. então, em vez do silêncio envolto de palavras — a palavra revolta de silêncio. em vez do teu nome fechado nos pulsos — a pulsação do inominável’
recorte d’a tela finalmente escura, Kafka Edições, 2023